Depois de treze horas de estrada para chegar em Porto Alegre, consegui sentar para escrever a coluna. Sonolento, um pouco apavorado com o cenário observado durante o percurso, não sabia ao certo qual seria o título.
A dúvida perdurou por alguns segundos. Sem titubear, escolhi repetir o da semana passada. A enchente de 2024 pode ser dividida em vários capítulos, talvez muitos livros, e todos serão marcados pelos episódios dramáticos que mudaram a vida de milhões de pessoas.
O prefácio da enchente é algo ainda não admitido pela população, revela a relação do homem com o meio ambiente. O planeta, carente de consciência ambiental, é agredido em todos os cantos do globo terrestre.
O primeiro capítulo trata dos incrédulos moradores diante da fúria da enchente. Os verbos salvar e resgatar moldam heróis anônimos nas linhas iniciais. A luta pela vida ganha matizes de uma angústia que a todo instante é potencializada pelas câmeras dos telefones.
Como não se emocionar com o resgate do bebê cujos olhos ainda não compreendem a loucura do viver? Como não padecer com o cavalo sobre o telhado em súplica pela existência? Como não acreditar no humano que se aventura em poluídas águas para buscar o idoso?
Nas páginas seguintes, os desabrigados serão os personagens de uma encharcada tristeza. Eles, assombrados, repercutirão as incertezas de um país deficitário em termos de política habitacional.
A dinâmica social altera-se drasticamente. A rotina do bairro é às vezes um passado esquecido na lama. A nova fase é feita de experiências complexas em um abrigo para centenas ou milhares de pessoas, é, por sua vez, moldada na insegurança do amanhecer.
Há, ainda, um capítulo sobre o necessário recomeço. Todavia, em uma catástrofe desta magnitude, seguir em frente exige a superação de uma desilusão coletiva, vencê-la significa superar a tristeza encontrada em cada esquina da cidade.
O
humano vencerá na derradeira linha. Os
algozes que propagam notícias falsas na indústria dos likes monetizados serão
derrotados. O povo gaúcho vencerá a batalha das águas, escreverá, então, um épico
poema com versos de humanidade e solidariedade.