A Câmara dos Deputados aprovou ontem (10) o primeiro projeto que regulamenta a reforma tributária. A votação teve 336 votos a favor e 142 contrários. O texto ainda vai para o Senado. É importante lembrar que as regras da reforma tributária serão aplicadas de forma escalonada nos próximos anos, e todos seus efeitos serão sentidos ao longo do tempo.
Depois de votar o texto-base, os deputados analisaram os chamados destaques — sugestões de alteração no texto. A principal discussão dessa etapa foi a tributação zero da carne bovina e do frango, uma demanda do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que foi defendida também pela oposição, mas que não era bem vista pela equipe econômica do governo. E esse destaque foi aprovado. Ou seja, a carne vermelha entra na cesta básica e não pagará imposto sobre consumo.
Mas um destaque que foi
rejeitado pedia cobrança do chamado imposto seletivo (ou imposto do pecado)
para armas. Com a rejeição, armas não serão submetidas a esse imposto, que
busca taxar itens nocivos à saúde ou ao meio ambiente.
Como foi a
negociação para a carne entrar na isenção de imposto?
Durante a votação dos
destaques, o relator, deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), costurou um acordo
para a aprovação da emenda que isenta carnes, sal, peixes e queijos de
tributação de impostos sobre consumo.
Esse foi o ponto que mais
mobilizou os deputados nos últimos dias.
Apesar do pedido ser de Lula,
foi o PL, maior partido da oposição, o autor da emenda aprovada. Politicamente,
é uma medida que rende resultados. É boa para o consumidor de carne, que
comprará sem imposto, e para o produtor, que venderá sem imposto.
Pelo relatório anterior de
Lopes, a carne teria redução de 60% no imposto, mas não estaria isenta.
Por isso, após a aprovação do
texto, base e oposição disputaram no plenário a "paternidade" sobre a
inclusão das carnes na cesta básica nacional.
A isenção das proteínas
animais representa uma derrota do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL),
que se posicionou contrariamente a proposta nos últimos dias. A interlocutores,
ele chegou a classificar a medida como "insanidade". A equipe
econômica do governo também não queria a isenção, por considerar o impacto na
arrecadação.
O cálculo é que a isenção das
carnes aumentará em cerca de 0,53 ponto percentual a alíquota do imposto único
que incidirá sobre os demais produtos, para manter a arrecadação tributária
como está hoje.
A Câmara não esclareceu que
medida de compensação será feita para a inclusão das proteínas animais nos
alimentos isentos. Isso porque a reforma tributária estabeleceu a alíquota
geral de 26,5% como teto, com direito a uma trava que é acionada quando esse
limite for atingido.
Caso a trava seja acionada, o
governo precisa enviar um novo projeto ao Congresso com a revisão das
alíquotas.
O que foi votado
nesta quarta?
Este primeiro projeto
estabelece regras e guias para as cobranças dos três impostos sobre o consumo
(IBS, CBS e Imposto Seletivo) criados pela reformulação do sistema tributário,
aprovada e promulgada pelo Congresso em 2023.
Esses impostos substituirão
cinco tributos que atualmente incidem sobre consumo: PIS, Cofins, IPI, ICMS,
ISS.
As bases da reforma já foram
aprovadas, no ano passado, mas ainda falta detalhar regras sobre a cobrança dos
impostos. As mudanças não são imediatas – haverá um período de transição, e o
novo sistema só entra em vigor por completo em 2033.
Discutida desde maio por um
grupo de trabalho, a proposta principal de regulamentação do novo sistema
tributário brasileiro foi alvo de pedidos de diversos setores e parlamentares.
Sete deputados que integraram o colegiado se dividiram para propor modificações
e incluir mudanças no texto enviado originalmente pelo governo federal.
O objetivo central do grupo,
segundo os próprios membros, foi equilibrar os pedidos e manter a estimativa de
alíquota dos futuros impostos sobre o consumo. O Ministério da Fazenda projeta
um patamar de 26,5%.
Impostos não devem
aumentar
A oposição está argumentando
que a reforma vai aumentar impostos.
Mas o governo diz que esse
argumento do aumento de impostos não é verdadeiro.
O governo sustenta que a carga
de impostos não vai aumentar na reforma tributária. A explicação é:
- Haverá
uma alíquota única para os impostos sobre consumo, de cerca de 26,5%.
- Com
isso, alguns produtos pagarão menos que hoje, e outros pagarão mais. O
somatório será o mesmo, para não aumentar nem diminuir a carga tributária.
- Mas o
essencial, segundo o governo, é que os impostos não serão mais cumulativos,
como são hoje.
- Isso
significa que o pagamento de tributo vai incidir apenas uma vez na cadeia de
produção e venda de um item.
- Sem a cumulatividade (sem o
pagamento de tributo sobre tributo), custos baixam, a eficiência produtiva
aumenta, e os produtos podem até baixar de preço, argumenta o governo.
Cesta básica
A proposta lista alimentos da
chamada cesta básica nacional, que terão alíquota zero dos novos tributos. São eles:
Carne vermelha
Arroz
Leite fluido pasteurizado ou
industrializado, na forma de ultrapasteurizado, leite em pó, integral,
semidesnatado ou desnatado; e fórmulas infantis definidas por previsão legal
específica
Manteiga
Margarina
Feijões
Raízes e tubérculos
Cocos
Café
Óleo de soja
Farinha de mandioca
Farinha, grumos e sêmolas, de
milho, e grãos esmagados ou em flocos, de milho
Farinha de trigo
Aveia
Açúcar
Massas alimentícias
Pão do tipo comum (contendo
apenas farinha de cereais, fermento biológico, água e sal)
Ovos
Produtos hortícolas, com
exceção de cogumelos e trufas
Frutas frescas ou refrigeradas
e frutas congeladas sem adição de açúcar
Há ainda uma lista de produtos
que terão desconto de 60% sobre a alíquota dos futuros impostos.
São eles:
Carnes bovina, suína, ovina,
caprina e de aves e produtos de origem animal (exceto foies rãs) e miudezas
comestíveis de ovinos e caprinos
Peixes e carnes de peixes
(exceto salmonídeos, atuns; bacalhaus, hadoque, saithe e ovas e outros
subprodutos)
Crustáceos (exceto lagostas e
lagostim)
Leite fermentado, bebidas e
compostos lácteos;
Plantas e produtos de
floricultura relativos à horticultura e cultivados para fins alimentares,
ornamentais ou medicinais ;
Queijos tipo mozarela, minas,
prato, queijo de coalho, ricota, requeijão, queijo provolone, queijo parmesão,
queijo fresco não maturado e queijo do reino;
Mel natural
Mate
Farinha, grumos e sêmolas, de
cerais; grãos esmagados ou em flocos, de cereais
Tapioca e seus sucedâneos
Massas alimentícias
Sal de mesa iodado
Sucos naturais de fruta ou de
produtos hortícolas sem adição de açúcar ou de outros edulcorantes e sem
conservantes
Polpas de frutas sem adição de
açúcar ou de outros edulcorantes e sem conservantes
Óleos de milho, aveia,
farinhas
O projeto prevê que as duas
listas poderão ser revisadas a cada cinco anos, pelo governo federal.
‘Cashback’
O texto propõe mudanças em
relação ao mecanismo de devolução de imposto para população inscrita no
Cadastro Único (CadUnico) do governo federal – o chamado “cashback”. Pela
proposta, o “cashback” será destinado às famílias com renda per capita de até
meio salário-mínimo e inscritas no CadÚnico.
O texto aumenta o percentual
de devolução da CBS — o imposto sobre consumo de competência federal — para
energia elétrica, água, esgoto e gás natural.
Originalmente, seriam
devolvidos 50% dos tributos pagos. Pela nova versão, será devolvido 100% da
CBS. Foi mantido, no entanto, o percentual de devolução do IBS, compartilhado
entre estados e municípios.
O “cashback” será de 20%. Pelo
parecer atual, haverá devolução de: 100% para do imposto pago no caso da CBS
(IVA federal) e de 20% para o IBS (IVA estadual e municipal), no caso do gás de
cozinha 100% para a CBS e 20% para o IBS, no caso de energia elétrica, água e
esgoto; 20% para a CBS e para o IBS, nos demais casos.
Para o cálculo do “cashback”,
serão consideradas as compras feitas por todos os membros da família inscrita
no CadÚnico.
A devolução de tributos pagos
em faturas energia e água, por exemplo, será feita diretamente na conta. Uma
outra regulamentação definirá como será feito o “cashback” para as outras
áreas.
Imposto seletivo
A proposta estabelece quais os
produtos sofrerão com a tributação do chamado “imposto do pecado”.
O Imposto Seletivo — que
recebeu o apelido de “imposto do pecado” — foi criado pela emenda
constitucional que reformulou a tributação sobre consumo.
O tributo é aplicado sobre
produtos considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Na prática,
essa categoria terá uma alíquota maior do que a padrão — estimada em cerca de
26%.
O objetivo é desestimular, por
meio da cobrança extra, o consumo desses tipos de produto.
Parlamentares do grupo de
trabalho do projeto chegaram a avaliar a inclusão de armas e munições no rol de
itens sujeitos ao Imposto Seletivo. Não houve, porém, inclusão desses itens na
lista.
A versão mais recente do
parecer de Lopes mantém a lista enviada pelo governo e a inclusão, feita pelo
GT na última semana, de carros elétricos e apostas. Portanto, estão na lista:
cigarros;
bebidas alcoólicas;
bebidas açucaradas;
embarcações e aeronaves
extração de minério de ferro,
de petróleo e de gás natural
apostas
carros, incluindo os elétricos
No caso das apostas, a
cobrança valerá para as realizadas nas modalidades físicas e online, como as “bets”
e os chamados fantasy games.
Apesar de manter a lista, duas
mudanças foram introduzidas por Lopes nesta quarta. A primeira prevê limitar a
alíquota do Imposto Seletivo a ser aplicada sobre minérios de ferro em 0,25%.
A segunda estabelece um regime
de transição, com escalonamento de alíquotas até 2033, para o “imposto do
pecado” sobre bebidas alcoólicas.
Remédios
A nova versão apresentada por
Reginaldo Lopes estabelece uma redução de 60% de impostos para todos os
medicamentos registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
ou fabricados por manipulação.
Originalmente, esse regime não
existia.
O parecer prevê apenas duas categorias de remédios
para orientar a tributação:
- uma lista com 383 remédios
isentos (imposto zero), mantida em relação à versão anterior;
- imposto reduzido
(correspondente a 40% da alíquota geral) para todos os outros medicamentos
registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ou produzidos
por farmácias de manipulação
As versões anteriores do texto
previam que esse imposto reduzido fosse aplicado apenas a uma lista de 850
medicamentos – que chegou a incluir remédios para disfunção erétil, vacinas e
ansiolíticos.
O parecer do deputado
Reginaldo Lopes (PT-MG), na prática, aplica a todos os medicamentos não isentos
esse corte de 60% do IBS e do CBS – impostos que vão agregar e substituir os
pagos atualmente.
Também foi mantida a isenção
total a produtos para saúde menstrual, como absorventes.
Produtos de higiene pessoal e
limpeza terão alíquota reduzida de 40%, como papel higiênico e escova de
dentes.
Regras para
imóveis
No texto aprovado, operações
com imóveis também estarão sujeitas à alíquota de 26,5%, mas com os seguintes
descontos:
Operações com bens imóveis
terão redução de 40% do IBS e CBS.
Se forem operações de locação,
cessão onerosa e arrendamento de bens imóveis ficam reduzidas em 60%.
Pets
A proposta de regulamentação
da reforma tributária estabelece uma redução de 60% da alíquota geral dos novos
tributos sobre consumo para medicamentos, vacinas e soros de uso veterinário.
Na prática, esses itens
pagarão somente 40% da alíquota da CBS e do IBS.
Nesta quarta, em mudança
introduzida pelo novo parecer de Lopes, os planos de saúde para pets também
foram beneficiados com uma alíquota reduzida.
Pela proposta, os tributos
aplicados a esse serviço serão reduzidos em 30% — ou seja, será cobrada uma
alíquota correspondente a 70% do valor padrão.
A mudança é uma vitória da chamada "bancada animal", composta por deputados cuja principal bandeira é a defesa da causa animal, que conseguiu incluir no relatório o desconto para itens relacionados aos animais domésticos.