O ministro Gilmar Mendes votou nesta sexta-feira (29) para, na prática, ampliar a regra do foro privilegiado de autoridades no Supremo Tribunal Federal (STF). Além do relator do caso, os ministros Cristiano Zanin, Flávio Dino, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli também votaram para alterar o atual entendimento.
O ministro Gilmar Mendes propôs que, quando se tratar de crime praticado no exercício da função, o foro
privilegiado deve ser mantido mesmo após a autoridade deixar o cargo. Isso
valeria para casos de renúncia, não reeleição, cassação, entre outros. O
entendimento é distinto do que foi decidido pelo STF em 2018.
Até o momento, o placar está 5 a 0 pela
ampliação do foro privilegiado. O presidente do tribunal, Luís Roberto Barroso, pediu vista, ou
seja, mais tempo para analisar o caso. Antes do pedido de vista, o placar
estava 4 a 0 pela ampliação do foro. O ministro Moraes antecipou seu voto.
O pedido de vista de Barroso suspende o julgamento.
Os ministros podem até apresentar novos votos, mas a análise só será concluída
com o voto de Barroso. Os posicionamentos podem ser inseridos no sistema
virtual até o dia 8 de abril.
Dois casos em análise
A proposta de mudança na regra está sendo discutida
em dois casos no Supremo. O ministro Gilmar Mendes é o relator.
No primeiro, os ministros julgam um habeas corpus
do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), que pede para levar ao STF uma denúncia contra ele, que foi
apresentada à Justiça Federal.
O outro caso é um inquérito que investiga a
ex-senadora Rose de Freitas (MDB-ES) por corrupção passiva, fraude em
licitação, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
O que sugeriu o relator?
A nova tese proposta por Mendes nos dois casos é a
seguinte:
"A
prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão
das funções subsiste mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito
ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício".
Mendes também defende que, no fim do mandato, o
investigado deve perder o foro se os crimes foram praticados antes de assumir o
cargo ou não possuírem relação com o exercício da função.
"A compreensão anterior, que assegurava o foro
privativo mesmo após o afastamento do cargo, era mais fiel ao objetivo de
preservar a capacidade de decisão do seu ocupante. Essa orientação deve ser
resgatada", disse.
Em seu voto, Mendes disse que o foro privilegiado é
uma prerrogativa do cargo, e não um privilégio pessoal, portanto, deve
permanecer mesmo com o fim da função.
"Afinal,
a saída do cargo não ofusca as razões que fomentaram a outorga de competência
originária aos Tribunais. O que ocorre é justamente o contrário. É nesse
instante que adversários do ex-titular da posição política possuem mais condições
de exercer influências em seu desfavor, e a prerrogativa de foro se torna mais
necessária para evitar perseguições e maledicências", disse.
Segundo o ministro, "essa justificativa é
ainda mais adequada no contexto atual. Numa sociedade altamente polarizada,
marcada pela radicalização dos grupos políticos e pelo revanchismo de parte a
parte, a prerrogativa de foro se torna ainda mais fundamental para a
estabilidade das instituições democráticas".
O ministro Cristiano Zanin destacou em seu voto que
a competência de julgamento é fixada quando o crime é cometido, mesmo que a
pessoa já não esteja mais no cargo no momento da análise do caso.
“A
perpetuação da jurisdição para o julgamento de crimes praticados no exercício
do cargo e vinculados às funções desempenhadas estabiliza o foro próprio e
previne manipulações e manobras passíveis de acontecer por ato voluntário do
agente público”, disse.
Segundo Zanin, “é necessário reforçar que as prerrogativas instituídas
em benefício das instituições públicas se consolidaram por imposição
constitucional, e não por capricho de um ou outro aplicador da lei que, por
deliberação autônoma e volitiva, optou por assimilar jurisdições especiais. A
admissão do instituto, já pontuei no voto, foi da Constituição Federal”.
Decisão de 2018
Em 2018, o plenário do Supremo
restringiu o foro privilegiado. Ficou definido que só devem ser investigados na Corte crimes praticados
durante o mandato e relacionados ao exercício do cargo.
Com isso, passou a valer o entendimento de
que devem ser enviados para a primeira
instância da Justiça todos os processos criminais que se refiram a crimes cometidos antes do cargo ou os cometidos no
cargo, mas que não tenham relação com a função.
Quando o parlamentar deixa a função, os ministros
repassam os casos para outra instância. Só ficam no Supremo as ações em estágio
avançado, aquelas em que o réu já foi intimado para apresentar a sua defesa
final.
Antes, inquérito ou ação penal que envolvia
parlamentar eram repassados ao STF, mesmo que tratassem de fatos anteriores ao
mandato.
O caso de Zequinha Marinho
Os ministros julgam a proposta de Mendes no plenário virtual. Os votos podem ser inseridos até o dia 8 de abril. O caso envolve um habeas corpus do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), que pediu para ter sua situação analisada no Supremo.
Ele é réu na Justiça Federal do DF sob acusação de
que, entre 2007 e 2015, no exercício do cargo de deputado federal, teria
exigido que servidores de seu gabinete depositassem mensalmente 5% de seus
salários nas contas do partido, sob pena de exoneração.
A defesa alega que o STF é o tribunal competente
para julgar o caso porque ele ocupou sem interrupção funções com foro,
exercendo mandatos de deputado federal (2007-2011 e 2011-2015), vice-governador
do Pará (2015-2018), e senador da República, a partir de 2019.
Para o ministro Gilmar Mendes, o caso de Zequinha
Marinho revela os problemas do atual sistema do foro.
"No
total, da instauração do inquérito policial até hoje, já se passou mais de uma
década, mas ainda não se concluiu a instrução processual. Não houve nem mesmo o
interrogatório do réu. Esse andar trôpego é um retrato sem filtro dos prejuízos
que podem ser gerados pelo entendimento atual, que, com a devida vênia, traz
instabilidade para o andamento das investigações e ações penais."
Mendes diz que "é necessário avançar no tema, para estabelecer um critério geral mais abrangente, focado na natureza do fato criminoso, e não em elementos que podem ser manobrados pelo acusado (permanência no cargo)".