Um esquema criminoso de emissão de Carteira Nacional de Habilitação (CNH) está circulando em grupos de classificados virtuais do Rio Grande do Sul. Um homem que se apresenta como despachante anuncia a venda do documento "sem aulas, provas e exames". O g1 entrou em contato com o homem, sem se identificar, para saber mais sobre a oferta.
"Não será necessário fazer nenhum procedimento exigido pelo Detran.
Ou seja, o condutor estará livre das aulas, provas e exames. Documentação 100%
original", diz uma das mensagens do golpista.
O Departamento de Trânsito do Rio Grande do Sul (DetranRS) esclarece
que a prática é fraudulenta e tem implicações tanto para quem vende quanto
para quem compra. Além disso, o DetranRS sustenta que todo o processo de
formação de condutores é gravado.
"As aulas são gravadas, os exames são gravados. Há confrontamento
de informações biométricas, tanto das digitais quanto facial. Os órgãos
públicos têm à disposição trilhas de auditoria para constatar se o candidato
cumpriu todas as etapas", explica o diretor-técnico do DetranRS, Fábio
Santos.
O responsável pela fraude se identifica como Alex Aguiar. O DetranRS e o Sindicato dos Despachantes do Estado do Rio Grande do Sul (Sindergs) asseguram que não há registro de nenhum credenciado com esse nome.
"Essa pessoa não é despachante credenciado no Rio Grande do Sul. O nome
dele não é conhecido na categoria aqui no estado. Essas mensagens não
circularam em grupos de despachantes credenciados", pontua o Sindergs.
A CNH física é impressa em papel-moeda e possui camadas de
segurança para verificação. Entre elas, o QR Code para checagem da veracidade junto às
autoridades competentes.
"O processo de habilitação no RS foi pensado de forma
compartimentada justamente para aumentar a segurança do sistema. Para ser
gerada uma CNH regular, é preciso passar por diversas etapas em instâncias
diversas, o que inviabiliza eventuais irregularidades", observa o
DetranRS.
O golpe
A ação é divulgada em briques virtuais e grupos de aplicativos de troca
de mensagens. É oferecida a confecção "facilitada" da CNH.
Os valores estão abaixo dos praticados pelos Centros de Formação de
Condutores (CFCs) e variam entre R$
1,1 mil e R$ 3,2 mil,
a depender da categoria. Uma CNH do tipo B (carro), que tem custo de R$ 2.590 (sem simulador), é
negociada pelo golpista por R$ 1,7 mil.
Valores
reais da CNH
Categoria A (moto): R$ 2.584,37;
Categoria B (carro): R$ 2.590,03 (sem simulador);
Categoria AB (moto e carro): R$ 4.363,72 (sem
simulador);
Categoria ACCB (ciclomotor e carro): R$ 3.097,73 (sem
simulador).
O documento falso ficaria pronto em sete dias úteis,
segundo o anunciante. Para dar início aos trâmites, o homem pede uma
entrada de 50% do valor da habilitação.
"Provavelmente esse documento nunca iria chegar ou entraria em um
aplicativo que forjaria ou imitaria a CNH original", avalia o
diretor-técnico do DetranRS.
Para tentar garantir veracidade e sem saber que estava conversando com a
reportagem do g1, o falso despachante enviou uma CNH que teria sido emitida
em 4 de abril de 2024 no
RS.
O DetranRS conferiu o documento e informou que a pessoa que seria dona
da carteira abriu processo para a primeira habilitação, em 2013, mas não o concluiu. O encerramento
do expediente se deu em 2014.
Outra inconsistência apontada é que no campo "assinatura do
emissor" consta o nome de um diretor que não ocupa mais o cargo.
Prisão de procurado da Interpol
A Polícia Rodoviária Federal (PRF) prendeu, na terça-feira (16), um
homem de 31 anos que consta na lista
de procurados da Interpol. Ele tentou enganar os agentes ao
apresentar uma carteira de motorista falsificada. O flagrante ocorreu na
BR-285, em São Borja.
Em consulta ao sistema, verificou-se que o documento apresentado
pelo motorista estava em nome de outra pessoa. Após confirmação da verdadeira
identidade do suspeito, a PRF constatou que havia um mandado de prisão contra
ele, expedido em Uruguaiana.
O homem tem antecedentes criminais por diversos crimes, entre eles homicídios, roubos, furtos, tráfico de
drogas e organização
criminosa.
A PRF informou, a pedido do g1, que registrou 25 ocorrências
envolvendo o uso de documentos falsos em 2023.
Infração e pena
A infração para quem é pego dirigindo com habilitação falsificada é
considerada gravíssima,
com multa de R$ 293 e sete pontos na carteira. Conforme a
PRF, a pena prevista para falsificação de documento é de um a cinco anos
de prisão, além de multa.
Para quem faz uso de
qualquer papel falsificado ou alterado, a pena é de dois a seis
anos de reclusão e multa.
Em janeiro deste ano, o
repórter Giovani Grizotti, da RBS TV, revelou no Jornal Nacional um outro
esquema envolvendo CNHs. Golpistas negociavam carteiras de habilitação
falsas que ficavam disponíveis em um aplicativo próprio, fornecido pelos
estelionatários. O app não está disponível em lojas oficiais dos sistemas
operacionais de celulares.