Apesar das crescentes
medidas de retorno ao trabalho presencial promovidas
pelo mercado interno depois da pandemia, os brasileiros cada vez mais
fazem carreira em empregos remotos para empresas do Exterior. É o que indica o
Relatório Global de Contratações Internacionais da Deel, companhia global em
gestão de pessoas e folha de pagamento.
O estudo aponta que a contratação de talentos brasileiros por
empresas internacionais cresceu 46% no ano passado. O Brasil se tornou o quinto
país com maior número de profissionais que atuam para companhias de fora,
ficando atrás apenas de Filipinas, Estados Unidos, Colômbia e Argentina.
Segundo Cristiano Soares, country manager da Deel no Brasil, o aumento
dessas vagas remotas foi impulsionado pelo pós-pandemia.
— O mundo do trabalho mudou profundamente. Estamos falando de uma força
de trabalho global que agora sabe que, a partir da própria casa, pode chegar
nas melhores oportunidades disponíveis em qualquer parte do mundo. As
empresas estão lutando pelos melhores talentos e compreendem que isso não está
necessariamente na próxima esquina — afirma.
Nova
"fuga de cérebros"?
Esse novo modelo de trabalho vem sendo comparado com o fenômeno de fuga
de cérebros, no qual profissionais saem do país de origem
para desbravar melhores oportunidades em território estrangeiro.
No contexto atual, no entanto, os
profissionais permanecem no país natal, recebem em moeda estrangeira — na
maioria das vezes, mais valorizada do que a local — e gastam os proventos
dentro do próprio país, fortalecendo a economia da região.
Professor da Faculdade de
Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Cássio Calvete enxerga essa
tendência mais como uma exportação de trabalho do que uma "fuga de
cérebros".
— As pessoas continuam aqui no
Brasil, trazem dinheiro de fora. Não é que o cérebro está fugindo. Ele está aqui, oferecendo serviços
para o Exterior. As pessoas
continuam aqui dentro, podem dar aula, palestrar, ter convívio social,
transmitir conhecimento e participar de entidades — compara.
Segundo o professor, existem
muitos aspectos positivos nesse modelo de trabalho, que pode trazer benefícios
para a balança interna de pagamentos do país, inclusive fazendo com que as empresas estabelecidas no Brasil melhorem
suas condições de trabalho e remuneratórias.
— A fuga de cérebros, ou até
mesmo a venda de serviços para o Exterior, é reflexo do mau tratamento que as
empresas brasileiras, que em maioria ainda têm uma visão exploratória, dão para
seus funcionários. Não valorizam o trabalhador, não remuneram adequadamente,
não qualificam e não oferecem planos de carreira. Aqueles que têm condições
procuram oportunidades melhores — resume Cássio.
O ponto negativo, segundo o
especialista, deve ser sentido pelo empresariado brasileiro, que precisará traçar estratégias para competir com
empresas gringas, caso essa tendência continue aumentando nos próximos
anos.
O que dizem os
trabalhadores
Conforme a pesquisa, o Brasil está entre os países com o maior número de
novos contratos com empresas de fora em 2023. Em média, esses acordos têm salários
75% mais altos quando
comparados à remuneração brasileira.
Essa valorização salarial foi sentida pelo engenheiro de software Igor
Brinker, 26 anos. Morador de Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre,
ele atua há dois anos em uma empresa de Washington, nos Estados Unidos.
— Hoje em dia, ganho cerca de 15 a 20 vezes mais do que recebia no
Brasil — celebra.
Além de buscar um salário mais atrativo (e em uma moeda mais
valorizada), Igor explica que se motivou a tentar oportunidades no Exterior
para ter mais flexibilidade e chances de desenvolvimento na área de atuação.
Motivos parecidos levaram Caroline Pacheco, 27, a aplicar para uma
empresa do Exterior. A moradora de Porto Alegre relata que o principal
objetivo era encontrar uma oportunidade remota após a pandemia. Depois de
tentar vagas no Brasil, ela fez o processo seletivo para uma empresa estrangeira.
— Desde 2020 não sei o que é ter que ir presencial ao trabalho. É algo
que valorizo muito, já que me permite trabalhar de casa, sem estresse e perda
de tempo em locomoção, ainda mais para minha função, que é facilmente
feita de qualquer lugar com acesso a wi-fi. Uma coisa que anda casada com isso
é a flexibilidade de horários. Como trabalho para uma empresa que está 24h por
dia funcionando, já que em algum lugar do mundo tem alguém online trabalhando, eu
posso fazer meus horários como bem entendo — relata a publicitária, que oferece
serviços para uma empresa da Califórnia, nos Estados Unidos.
Para o porto-alegrense Otavio Bonder, 33, gerente senior de engenharia
na Deel, a principal desvantagem é não estar fisicamente próximo dos
colegas.
— Tenho um relacionamento forte com um dos meus subordinados diretos,
mas ele está baseado na Tailândia, então não podemos interagir pessoalmente
fora do horário de trabalho. A comunicação também pode ser desafiadora devido
aos diferentes fusos horários. No entanto, os benefícios do trabalho remoto são
significativos. Ele permite flexibilidade para trabalhar de qualquer lugar
e a qualquer hora — reforça.
Os pontos
positivos
Troca de experiências com
pessoas do mundo todo
Networking com pessoas de
diferentes países
Praticar e aperfeiçoar uma
língua nova
Flexibilidade de horário
Valorização salarial
Planos de carreira mais
consistentes
Receber em moeda
valorizada
Viagens internacionais
proporcionadas pela empresa
Reconhecimento global
Os pontos
negativos
Distância entre os colegas
de trabalho
Benefícios diferentes aos
do regime CLT
Fuso horário diferente,
podendo mudar a rotina dos trabalhadores ou até mesmo dificultar a comunicação
com a empresa
Feriados diferentes do
Brasil, sendo difícil aproveitar a agenda do país
Contratações como pessoa
jurídica, sem amparos disponíveis pela legislação brasileira em eventuais
demissões
Outros achados
da pesquisa
As contratações globais
vão além das funções técnicas, chegando a cargos de venda e produção de
conteúdo
Os grupos de empregos mais
contratados são desenvolvedores de software, consultoria, finanças e dados
Algumas posições fora da
área de tecnologia em que brasileiros são mais contratados por empresas
internacionais são fonoaudiólogo, influenciadores, designers, coaches e
gerentes de produto
56% dos trabalhadores
contratados por empresas de fora têm entre 25 e 34 anos, enquanto 25% têm entre
35 e 44 anos
A pesquisa apresenta dados de junho de 2023 a maio de 2024. Foi
considerado o levantamento de 300 mil contratos e mais de 20 mil clientes da
Deel em 160 países, além de 500 mil dados de fontes de terceiros.