João despertou como sempre,
não estava triste ou alegre, sentia-se apenas um João. A verdade é que estava
cansado. Todos os dias, antes dos primeiros raios de sol, lá estava ele, em pé,
no ponto de ônibus.
Não sabia como chegava ao
trabalho, apenas chegava.
Observava sem curiosidade o
mundo cinza da capital durante o itinerário, desembarcava, vestia o uniforme e
passava horas na moderna repetição de Chaplin.
João não tinha tempo para
pensar no destino, talvez fosse apenas uma fungível engrenagem na grande
máquina que o tornava humano quando sentia as dores na coluna.
João não refletia enquanto
caminhava, somente andava pelas quadras impelido de uma força desconhecida - o
hábito de embarcar no ônibus e rumar à fábrica.
Também não imaginava que a
cada passo uma comum decisão era tomada a partir de condicionamentos sociais
exteriores e sua própria subjetividade. É o habitus de Pierre Bourdieu onde a
sociedade predispõe o indivíduo a fazer suas escolhas.
O fato é que quando tomamos
uma decisão, sentimos uma pulsão exterior exercendo uma espécie de regência em
nosso comportamento. Os padrões da moda que historicamente delimitam os usos e
gostos formam um bom exemplo.
Se decisões individuais são
complexas, o que dizer quando decidimos sobre a vida de outras pessoas?
Sentenciar a vida de terceiros possui fatores variáveis, a começar pela não
compreensão da realidade alheia.
Se temos uma estrutura que
condiciona e posiciona socialmente o indivíduo de forma absurdamente desigual,
julgar engendra poderes socioeconômicos hierarquizados.
Decidir sobre a vida do outro
impõe um exercício de empatia, não existem técnicas e regras que comportam
todas as experiências individuais e sociais. Colocar-se ainda que
hipoteticamente no lugar alheio é fundamental.
Em tempos de julgamentos
virtuais, é preciso pensar que João não tem tempo para o amor, e se ele não tem
o fulgor do bem-querer em seus olhos, decidir sobre a vida descolorida de João
não é algo tão simples ou justo.