sábado, 27 de julho de 2024
Publicado em 16/10/2021 às 10:00

A pequena professora

A estação primaveril arremessou ao vento uma linda flor na Boca do Monte. Os alvoreceres tornaram-se mais coloridos nos campos; e nos poemas, e nas retinas, e os poetas encheram-se de inspiração.

A noite, amorenada, fulgurava nos olhos da pequena. A menina, de coração valente, como uma bela abobrinha, muito rápido, foi crescendo, mostrando que o mundo se tornara tão diferente desde a tarde que deixara o ventre materno.

Nas madrugadas, não fazia outra coisa senão ensinar, choramingando, esperneando, esbravejando, exigindo atenção dos novos alunos à compreensão do conteúdo ministrado muito longe da escola.

O currículo do curso previa cuidados com o corpo febril, banana amassadinha, leite quentinho, canções de ninar, quero colinho, estórias malucas para adormecer, primeiro dia no colégio, além de conteúdos aleatórios, como a galinha pintadinha. 

A menina, tão pequenina, balbuciando, ensinava novas lições todos os dias. Certa vez, a aula foi ministrada com apenas uma palavrinha. Com o tempo passando, os dedinhos apertaram o lápis para rabiscar as primeiras letrinhas, facilitando a alfabetização dos adultos corações.

Os filhos são verdadeiros professores; talvez os melhores. Eles, todas as manhãs, acordam-se dispostos a transmitir importantes conhecimentos à felicidade. São aulas sobre o amor na sua forma mais pura. Há dez anos, sou um esforçado estudante do bem-querer.

Não sabia o que dizer na décima data natalícia da professora. O “parabéns, filha” reputei insuficiente à magnitude da primeira década de vida. Um presente não representava o tamanho da gratidão. O sol apareceu faceiro naquela manhã, alumiando os pensamentos e afastando a tormentosa dúvida da madrugada. 

Quando ela acordou; agradeci: disse ‘gracias’ pelas lágrimas, gracias pelas emoções, gracias pelas palavras enroscadas na garganta, gracias pelas madrugadas que jogamos bolinha na sala, gracias pelo tombo que me fez correr ao hospital. 

Gracias pelo primeiro passo, gracias pela pedalada e pelo mergulho, gracias por me ensinar a sentir medo, gracias pelo regalo da paternidade, gracias por todas as lições que foram guardadas para o futuro.

A flor lançada ao vento segue voando, correndo, brincando, pulando, estudando, ensinando, amando, distante do remanso uterino, sem a segurança do cordão umbilical, percorrendo as sinuosas estradas da vida, preparando-se para soltar a mão dos seus velhos alunos.



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