A paisagem de devastação no Rio Grande do Sul e nas suas
entranhas demonstra que a catástrofe climática não poupou nenhum sistema
produtivo ligado à agropecuária. Os prejuízos já são estimados em
quase R$ 3 bilhões, e ainda devem crescer.
Órgãos oficiais nem sequer arriscam um número exato, dada
a dimensão dos estragos. As percepções são desenhadas dia a dia, à medida que é
possível avançar na coleta das informações. A Emater, responsável por mapear os danos junto aos
produtores, está em fase final de elaboração do diagnóstico que vai apontar o
raio X da enchente.
Enquanto
isso, levantamento realizado pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM)
tem ajudado a dar um norte. No balanço mais recente, foram estimadas
perdas de R$ 2,9 bilhões no Rio Grande do Sul — sendo R$ 2,7 bilhões somente na
agricultura e R$ 245,4 milhões na pecuária.
O rombo vem sendo ampliado a cada semana. Nos primeiros
balanços, as
perdas chegaram a ser estimadas em R$ 570 milhões pela CNM, o
que indica que os números ainda podem estar aquém do prejuízo total na produção
gaúcha.
Presidente
da Comissão de Agricultura da Assembleia Legislativa gaúcha, Luciano Silveira
(MDB) diz que as perdas são imensuráveis, já que todas as atividades agropecuárias foram atingidas de
alguma maneira. O
deputado cita que a própria Secretaria da Agricultura foi inundada na Capital,
ficando sem sistema para consulta.
—
Ninguém sabe mensurar ainda. É um trabalho diário. Temos a pecuária como um
todo, a soja que estava por ser colhida, o acesso a estradas vicinais... As
perdas são bilionárias — reforça Silveira.
Setorialmente,
algumas entidades já projetam suas perdas individuais. É o caso do setor
avícola, que estima pelo menos R$ 247,2 milhões em prejuízos em
toda a cadeia do frango, das matrizes em genética às aves de corte e à
infraestrutura dos frigoríficos, de acordo com o cálculo mais recente da
Organização Avícola do Rio Grande do Sul (O.A.RS). No balanço anterior, as perdas estimadas eram de R$ 182,9 milhões.
A
pecuária tem sido um dos segmentos mais afetados por um conjunto de fatores que
se relacionam. Fora os animais que morreram na água, preocupa a alimentação dos
rebanhos que restaram. Assim como as lavouras, a chuva alagou as pastagens, eliminando uma fonte
importante de nutrição animal. Além disso, a interrupção de
estradas dificulta a chegada de ração às propriedades, levando os animais à
fome.
Na
suinocultura, as perdas estimadas até o dia 20 de maio incluíam a morte de
12.648 animais. Somando a baixa nos rebanhos, mais os danos em estruturas
físicas e os prejuízos indiretos, a Associação de Criadores de Suínos do Rio Grande do
Sul (Acsurs) projeta perda financeira de R$ 48,6 milhões.
A
pecuária de leite, impactada desde os eventos climáticos do ano passado, sofre
agora com outros problemas, como a falta de serviços básicos. Produtores de leite
de propriedades ilhadas pelos estragos permanecem sem fornecimento de luz em
pontos do interior.
Sem energia elétrica, não há como manter a refrigeração do leite e dos seus
derivados.
Na
agricultura, a enchente pegou a colheita da safra de verão em pleno andamento. Levantamento
da consultoria Cogo Inteligência em Agronegócio estima
que 10% da produção de
35,1 milhões de toneladas prevista para a temporada tenha se perdido.
Uma
das preocupações é a soja, principal cultivo do Estado. De acordo com a
consultoria, são esperadas perdas de até 3 milhões de
toneladas na safra do grão. Há, ainda, receio quanto ao que já
havia sido colhido e estava armazenado em silos que foram alagados. O impacto
sobre o grão estocado segue sendo calculado.
Cerca de 600 mil hectares de soja ainda não foram tirados
das lavouras. Desta parcela, pouco se deve aproveitar. Neste ponto, no entanto,
o progresso dos trabalhos antes da enchente permitiu certo alívio, já que 78% já havia
sido colhido quando a cheia inundou o Estado, conforme lembra o diretor técnico da
Emater, Claudinei Baldissera:
— A
análise sobre o que resta colher é que se acentua o risco de ser cada vez mais
frustrada a qualidade do grão. O lado “bom”, de modo geral, é que o Estado
garantiu antes uma boa colheita de safra.
Os
danos em outras culturas são igualmente extensos. A citricultura gaúcha calcula
que pelo menos metade da
safra de citros tenha sido comprometida pela água. Nas plantações que não foram
inundadas, o excesso de umidade derrubou os frutos das árvores. Na produção de noz-pecã, que tem 70% da área nacional
cultivada em solo gaúcho, o Instituto Brasileiro de Pecanicultura
(IBPecan) calcula que 81% dos pomares estejam em áreas de calamidades ou
emergência pela enchente.
Outro
cultivo bastante afetado é o de hortaliças. Além da inundação nas lavouras, a
continuidade de dias chuvosos tende a postergar a recuperação das plantações, sobretudo
nas variedades de folhosas.
Também
há alerta em relação à qualidade do solo que será encontrado depois que as
águas baixarem. As terras produtivas foram, literalmente, lavadas pela chuva em
muitas regiões do Estado, o que leva a uma perda substancial da camada mais
fértil. Estima-se
que cerca 3,2 milhões de hectares agrícolas tenham de ser recuperados no Rio
Grande do Sul após a enchente, de acordo com o
Departamento de Defesa Vegetal da Secretaria da Agricultura.
A
dimensão do impacto das cheias é alarmante. Mais de 500 mil hectares de terra
foram afetados, conforme
monitoramento por satélite analisado pela Embrapa. São mais de 340 mil propriedades
rurais atingidas de alguma maneira, muitas delas de pequeno e
médio porte.
Atenção de ministério
Nesta
terça-feira (28), o ministro da Agricultura Carlos Fávaro fará a sua primeira
visita ao Rio Grande do Sul desde que a enchente devastou regiões produtoras. Um gabinete especial
do Ministério será montado no Estado para tratar das demandas de reconstrução.
Para
o deputado Luciano Silveira, a vinda do ministro abre expectativa para
anúncios:
—
Viemos de três estiagens seguidas, prorrogando uma dívida em cima da outra.
Precisamos de, no mínimo, três anos de carência e 10 ou 15 anos de
prorrogações, porque não sabemos se o agricultor terá como seguir na atividade.
Essa sensibilidade tem de haver agora, 40% da economia gaúcha depende do agro.
Que o ministro venha para nos dar esperanças — disse o presidente da Comissão
de Agricultura da AL.
A
cerimônia será no Parque da Oktoberfest, em Santa Cruz do Sul, às 11h. Na
ocasião, Fávaro fará a entrega de máquinas agrícolas de linha amarela como
retroescavadeiras e escavadeiras hidráulicas para 31 municípios. Segundo o Mapa, os equipamentos foram
adquiridos a partir de emendas da bancada federal do Rio Grande do Sul.
Algumas perdas por segmento
Levantamentos
preliminares estão sendo atualizados pelas entidades setoriais
Agricultura: R$
2,7 bilhões
Pecuária: R$
245,4 milhões
Avicultura: R$
247,2 milhões
Suinocultura: R$
48,6 milhões
Agricultura:
quebra de 10% na safra de verão de grãos
Citricultura:
quebra de 50% nos citros em geral
Pecanicultura: 81% dos pomares afetados