Publicado em 11/10/2024 às 14:15

Sofrêncio

Sofrêncio Neoliberal nascera Silva, algo que nos remete à figura de um brasileiro comum. Criado no subúrbio carioca, sem posses senão a esperança e o corpo empreendedor, especializou-se em economia neoliberal nas redes sociais. Por isso trocara por conta própria o nome, e também por recomendação astrológica.

Apesar de não ter vivido o tempo das fervorosas parteiras, dizia que os nascimentos não poderiam ocorrer em hospitais públicos, ou paga no privado, ou a parteira que corte o cordão umbilical no barraco.

 Sofrêncio dizia-se um neoliberal radical, perambulava pela favela sob os ideais individualistas de Hayek, apesar de nunca ter lido o filósofo é bem verdade, mas gostava das mensagens matinais que iluminavam uma sociedade sem justiça social.

Sofrêncio não gostava do Estado, sentia ojeriza a qualquer intervenção estatal, parecia às vezes estar acometido de uma espécie de estadolite, algum processo inflamatório que o deixava febril e raivoso.

A radicalidade encontrava a solução da criminalidade na pena de morte, sem o devido processo legal, “justiça custa caro”, lembrava ele. O tiro seria executado por empregados quarteirizados da Shot Gun Ltda., e enquanto a Constituição não permitisse tal providência jurídica, que cada cidadão cuidasse do seu próprio preso, bastaria uma pequena jaula e correntes no fundo do pátio, onde é que se viu pagar impostos para presídios.

Sofrêncio não possuía filhos, também não era casado. Não tinha tempo para essas coisas. Como meritocrata convicto, não abria mão de pedalar boa parte do dia entregando encomendas. A riqueza não tardaria, quanto mais pedalasse, nas subidas e ladeiras, mais rico ficaria.

Era um neoliberal praticante, com princípios inflexíveis, não se pode negar. Certa vez, após um tombo de bicicleta, não aceitou o socorro da ambulância municipal nem os remédios do posto de saúde, curou-se com a banha sobre as feridas, pedalou com a perna fraturada.

Despois do acidente, Sofrêncio, religioso, passou a pensar na morte, nos atos fúnebres. Todavia, as economias ainda não davam para um modesto caixão e flores de plástico, e, obviamente, não aceitaria o auxílio da assistência social, melhor esperar o eficiente serviço dos urubus na remoção do corpo gélido ou talvez os vermes roedores de Machado de Assis.

Sofrêncio seria um neoliberal coerente na morte empobrecida.



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