Sofrêncio Neoliberal nascera Silva,
algo que nos remete à figura de um brasileiro comum. Criado no subúrbio carioca,
sem posses senão a esperança e o corpo empreendedor, especializou-se em
economia neoliberal nas redes sociais. Por isso trocara por conta própria o
nome, e também por recomendação astrológica.
Apesar de não ter vivido o tempo
das fervorosas parteiras, dizia que os nascimentos não poderiam ocorrer em
hospitais públicos, ou paga no privado, ou a parteira que corte o cordão umbilical
no barraco.
Sofrêncio dizia-se um neoliberal radical, perambulava
pela favela sob os ideais individualistas de Hayek, apesar de nunca ter lido o
filósofo é bem verdade, mas gostava das mensagens matinais que iluminavam uma sociedade
sem justiça social.
Sofrêncio não gostava do Estado, sentia
ojeriza a qualquer intervenção estatal, parecia às vezes estar acometido de uma
espécie de estadolite, algum processo inflamatório que o deixava febril e raivoso.
A radicalidade encontrava a solução
da criminalidade na pena de morte, sem o devido processo legal, “justiça custa
caro”, lembrava ele. O tiro seria executado por empregados quarteirizados da
Shot Gun Ltda., e enquanto a Constituição não permitisse tal providência jurídica,
que cada cidadão cuidasse do seu próprio preso, bastaria uma pequena jaula e
correntes no fundo do pátio, onde é que se viu pagar impostos para presídios.
Sofrêncio não possuía filhos,
também não era casado. Não tinha tempo para essas coisas. Como meritocrata
convicto, não abria mão de pedalar boa parte do dia entregando encomendas. A
riqueza não tardaria, quanto mais pedalasse, nas subidas e ladeiras, mais rico
ficaria.
Era um neoliberal praticante, com
princípios inflexíveis, não se pode negar. Certa vez, após um tombo de bicicleta,
não aceitou o socorro da ambulância municipal nem os remédios do posto de saúde,
curou-se com a banha sobre as feridas, pedalou com a perna fraturada.
Despois do acidente, Sofrêncio,
religioso, passou a pensar na morte, nos atos fúnebres. Todavia, as economias
ainda não davam para um modesto caixão e flores de plástico, e, obviamente, não
aceitaria o auxílio da assistência social, melhor esperar o eficiente serviço
dos urubus na remoção do corpo gélido ou talvez os vermes roedores de Machado
de Assis.
Sofrêncio seria um neoliberal
coerente na morte empobrecida.