As palavras recusaram o papel. Elas, impregnadas de tristeza, apareceram no pensamento, mas confidenciaram que não participariam da escrita. Rebeldes, disseram não à lavra poética.
Desejava escrever um poema sobre uma criatura plúmbea, retratar um monstrengo cuja gênese seria a mistura das barbáries real e imaginária. Esperava desafiar com fonemas o arrebatador de sorrisos, que, inclemente, alimenta-se de infâncias; talvez matá-lo no verso final.
As palavras, disformes, rubras, assustadoras, contra a sua vontade, foram arremessadas na folha branca. Desordenadas, simbolizavam o processo não civilizatório, eram máculas produzidas pelo sangue dos desumanizados.
Não havia poesia.
Talvez tudo não passasse de um burocrático memorando para bombardear a terra sacra do irmão.
A guerra é repleta de sentidos e representações para os homens que distribuem a morte. É, porém, o horror para as crianças que não compreendem o silêncio inquieto depois do estrépido ardente e devastador.
Nas atônitas crianças, a guerra produz olhares vazios. As explosões não derrubam prédios, não destroem bases militares, elas aniquilam atomicamente sonhos.
Os olhos de desperança apreendem o infinito esfumaçado, gravam para sempre o horizonte em escombros e a finitude em labaredas. O olhar, que nos petrifica, expressa uma violência caótica, indescritível, pois.
David Le Breton diz que “o olhar é poder sobre o outro”. E que potência carregam os olhares desses meninos indefesos que suplicam e julgam ao mesmo tempo.
Olhos que suplicam a ternura sem saber que não há afeto na luta fratricida. Olhos enlutados que lamentam os desaparecidos. Olhos que sentenciam o humano ao inferno.
Se, por acaso, existe fé nas bombas lançadas, as explosões por certo abrirão veredas para o subterrâneo, jamais para o reino dos céus. As letras divinas não podem sustentar a barbárie, as linhas sagradas descrevem solidariedade e amor. As entrelinhas, a fraternidade entre os povos.
Olhos infantis que desconhecem o ódio dos que lutam. Olhos angustiados, amedrontados, sempre horrorizados, sem o fulgor dos que correm descalços em destemidas brincadeiras.
Definitivamente, as palavras paredistas estão cobertas de razão. Jamais haverá versos e rimas em chacinas bélicas. Idiotice de um frustrado poeta querer compor versos cinza.