Publicado em 26/07/2024 às 09:10

O caso K

A vida de K, para ela, talvez não fizesse muito sentido.

O prontuário criminal nada dizia sobre o descarrilar da vida.

K, mulher, preta e pobre, estava na audiência de custódia.

Flagrada com seis pedras de crack (0,7g), acabou presa por tráfico de drogas.

O caso de K, que registrava nove ocorrências de tráfico, mais que defesa, necessitava de explicações acerca do processo de criminalização. Saber como as leis penais escolhem determinadas pessoas.

As prisões de K ocorreram em abordagens policiais nas ruas do centro de Porto Alegre, entre os anos de 2020 e 2024. A custodiada tornou-se traficante aos 42 anos.

É importante dizer que ela nunca foi presa durante uma investigação. Sempre na efêmera interação entre agente e suspeita. Na abordagem, os policiais, civis ou militares, a partir de sua discricionariedade, etiquetaram K: traficante de drogas.

A quantidade total de droga apreendida com K é a seguinte: 28,7g de crack, média de 3,1g/prisão, além de 1g de maconha. A traficante portava R$ 66,47/prisão.

As prisões aconteceram no período diurno.

K declara-se dependente química, algo factível, levando-se em conta o seu aspecto físico e psicológico. Mas ela, apesar das poucas pedras, nunca foi presa pelo crime de posse de drogas para consumo pessoal.

K obteve a liberdade provisória, e sabe-se lá o que a liberdade expressa em sua vida. Os perfumados conceitos jurídicos às vezes nada significam no sobreviver dos pauperizados.

O caso de K contribui para a discussão acerca da ausência de critérios na definiçãodo traficante, sobretudo quando não existem informações de mercancia da droga.

Há um certo consenso de que o consumo de drogas causa malefícios individuais e sociais. Porém uma questão importante é saber se o atual modelo brasileiro tem produzido bons resultados na prevenção e repressão.

As prisões de K sugerem a existência de problemas na zona limítrofe entre consumidores e traficantes, e aqui temos a pontinha do iceberg do polêmico e infrutífero encarceramento brasileiro.

Franz Kfka, em O Processo da Negra K, escreveria: “uma manhã ela foi detida sem ter feito mal algum...”

 

 



Compartilhe essa notícia: