Publicado em 06/06/2024 às 14:16

Mate

A tarde dadivosa caia no labirinto da noite, tarde repleta de peripécias, antecedida pela manhã enserenada e esta provinha de uma madrugada carregada de lindos e bons sonhos, tecendo ternura, bordando colchas de outras estrelas, ávidos de enlaces, havia mil e dois motivos para comemorar tantas dádivas, em único dia, as benesses lustravam as faces, os olhos cintilavam felicidade, lançando olhares agradecidos, meigos e dóceis - ternos beijos da inocência, momento oportuno de prostrar-se e agradecer à fartura do dia, em ato posterior, sorver um mate, com a erva preferida, guardada na tulha do meio.

Na benfazeja soledade, estirado no cepo preferido, lançou os olhos ao infinito,sorrindo, acariciaa cuia - docemente -, navega pelas aragens do tempo, vê-se diante de relembranças impactantes, embora de forma amena, sutil, sensível, sente charminhos, arrepia os sentidos, a emoção se impõe, falece a razão, vive fantasiosa realidade, verdade inverídica, suspira silenciosamente, torna a si, sente-se frágil, sorve outros goles de mate, sob os olhos fascinantes da lua, torna a alisar a cuia, aprecia-la, nela, vê tamanha semelhança, irmã gêmea dos seus sonhares!

Zombando de si, vem o infinito coroado de multimilhares de estrelas irrequietas, em desmedidas atitudes, ora cantantes, em outras - silentes, noutras valseando versejares, com enamoradas melodias, convite às louvações, inebriante magnetismo de paixão, fazia estremecer aos seus sentidos, ainda que anelares, pesado fardo para um campesino esmaecido, vestido com as doutrinas do passado, onde não havia espaço aos descalços, sua marca e sinal, ao longo da caminhada, desvelar-se – poderia causar espanto social, por caracterizar uma rebeldia “anã!”

A vida pode se lançar diante de nós, com jardins e pérolas, com perfumes e odores, algodão e cetim, poema e poesia, força e flacidez, lágrimas e sorrisos, sonhos e pesadelos, conquistas e fracassos, realidades e inverdades, caminhos livres e obstaculizados, celeiros fartos e vazios, pontes e ruínas, estradas e montanhas, liberdade e censura, democracia e ditadura, chuvas mansas e tempestades, erros e acertos, homens de personalidade e inomináveis, governantes e subordinados, gente com alma leve e outros com alma corroída, crer em crenças e descrenças.

O cair da tarde traz um simbolismo imenso, com o lento estabelecimento do manto do crepúsculo, a mansa presença do ideário infinito, contraponteada pelo estabelecimento de uma aura indescritível, formando um cenário inigualável, perturbador, alucinante, vestida de – madrugada -, descerrando àquele véu, planta uma imagem fulgurante, vendo os teus olhos flamantes, pranteando cerzidos painéis, face-a-face, lágrima-a-lágrima, em enamoradas afeições, condoída, guardas os teus preciosos “perfumes,” para arejar as arestas da beira-mar, em dias de brisas mansas, enquanto o mate adormece na cuia!



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