O tribunal do júri sempre causa
dores nos seus atores. E cada um sofre a seu modo. Alguns sofrem antes, outros
durante, e tantos outros após a realização da sessão de julgamento.
O meu padecimento ocorre no
último caso, depois do plenário. Parece que algumas assombrações invadem minha
cabeça e alma, obrigando-me a refletir sobre o viver e o desviver dos
personagens do caso penal.
O último episódio aconteceu em
Santo Cristo.
Durante o interrogatório, o réu
contou sobre os abraços não recebidos do pai. Também disse aos jurados da
relação abusiva desde criança, explicou as violências plurais. O menino nunca
entendeu tamanho ódio paterno.
“Tu lembras o que fizeste comigo”
foi a última frase antes do estampido que dilacerou para sempre a relação
tormentosa entre pai e filho. O guri nunca havia entrado em uma delegacia de
polícia, e lá estava ele, preso em flagrante delito por homicídio.
Perguntei à mãe, viúva, por
sinal, o que esperava da decisão do povo. As lágrimas encaminharam o soberano
veredicto materno: “ele não merece qualquer tipo de punição depois de tudo que
passou nas mãos do pai”.
A vida do menino que não ganhou
abraços imediatamente trouxe à lembrança uma música defendida por Nilton
Ferreira, em Santa Maria, na 20ª Tertúlia Nativista: “Dos abraços que guardei”:
“guardei abraços pelos dias desta vida, mas me arrependo, devia ter gasto
mais”.
O abraço, pensei, que nada mais é
do que uma forma de bem-querer, tem um poder transformador, muda o mundo, é
amor. Abraçar uma criança é importante para o seu desenvolvimento, e, também,
para o adolescente, que se vê acolhido diante das inseguranças da vida adulta.
O menino deixou o plenário
absolvido, conforme a lei penal. Todavia, aprisionado nos traumas e desamores
que para sempre marcariam a sua existência, para a eternidade o menino
desprovido de abraços.
O júri, então, que
invariavelmente leciona sobre a vida, havia dado mais um ensinamento. Não se
deve guardar abraços, o nosso viver depende dos braços que tocam, acolhem e nos
recordam da peculiar condição humana.