Publicado em 08/11/2024 às 14:30

A ausência dos abraços

O tribunal do júri sempre causa dores nos seus atores. E cada um sofre a seu modo. Alguns sofrem antes, outros durante, e tantos outros após a realização da sessão de julgamento.

O meu padecimento ocorre no último caso, depois do plenário. Parece que algumas assombrações invadem minha cabeça e alma, obrigando-me a refletir sobre o viver e o desviver dos personagens do caso penal.

O último episódio aconteceu em Santo Cristo.

Durante o interrogatório, o réu contou sobre os abraços não recebidos do pai. Também disse aos jurados da relação abusiva desde criança, explicou as violências plurais. O menino nunca entendeu tamanho ódio paterno.

“Tu lembras o que fizeste comigo” foi a última frase antes do estampido que dilacerou para sempre a relação tormentosa entre pai e filho. O guri nunca havia entrado em uma delegacia de polícia, e lá estava ele, preso em flagrante delito por homicídio.

Perguntei à mãe, viúva, por sinal, o que esperava da decisão do povo. As lágrimas encaminharam o soberano veredicto materno: “ele não merece qualquer tipo de punição depois de tudo que passou nas mãos do pai”.

A vida do menino que não ganhou abraços imediatamente trouxe à lembrança uma música defendida por Nilton Ferreira, em Santa Maria, na 20ª Tertúlia Nativista: “Dos abraços que guardei”: “guardei abraços pelos dias desta vida, mas me arrependo, devia ter gasto mais”.

O abraço, pensei, que nada mais é do que uma forma de bem-querer, tem um poder transformador, muda o mundo, é amor. Abraçar uma criança é importante para o seu desenvolvimento, e, também, para o adolescente, que se vê acolhido diante das inseguranças da vida adulta.

O menino deixou o plenário absolvido, conforme a lei penal. Todavia, aprisionado nos traumas e desamores que para sempre marcariam a sua existência, para a eternidade o menino desprovido de abraços.

O júri, então, que invariavelmente leciona sobre a vida, havia dado mais um ensinamento. Não se deve guardar abraços, o nosso viver depende dos braços que tocam, acolhem e nos recordam da peculiar condição humana.

                



Compartilhe essa notícia: